Artigo de autoria de Rodrigo Amend Lopes, advogado militante, sócio do escritório RAL advocacia, especialista em direito público pela Escola da Magistratura Federal do Paraná.
"O
pragmatismo como forma de conhecimento se restringe a construção de ideias
aperfeiçoadas no tempo e no espaço. Assim sendo, necessário é que sejam tecidas
algumas noções históricas preliminares de extrema relevância para o
entendimento do objeto de estudo.
Sob
este enfoque, relevante é ter em mente que muito embora o pragmatismo tenha
enfoque metodológico contrário ao racionalismo, em nenhum momento deixou de ser
racional, isto é, foi e sempre será objeto de uma lógica sistemática distinta
dos demais meios de pensamento criou um método com foco prático.
Assim,
desde a Grécia antiga, como bem pontua Anthony KENNY em seu artigo As
ciências teóricas de Aristóteles[1],
homens como Aristóteles e Platão buscam desvendar o mundo do ser, por meio de
métodos, dentre eles a observação das coisas naturais (mundo imanete) e
sobrenaturais (mundo transcendente), respaldado precipuamente em uma verdade sintática das coisas e do mundo, a
qual basicamente se estabelecia por meio de um discurso. Deste entendimento
surgem as primeiras diretrizes do método racional e, consequentemente,
inicia-se o paradigma racionalista.
Não
obstante, tendo em vista que o conhecimento é mutante, com o advento do Estado
moderno surgem novos pensadores, dentre eles René DESCARTES, o qual consagrou o
paradigma racionalista com sua obra Discurso
do Método, pontuando que o conhecimento inicialmente deve partir de uma
dúvida, isto é, uma verdade semântica, cuja qual é imprescindível para a
obtenção do conhecimento verdadeiro. Assim, René DESCARTES estabeleceu, diferentemente do conhecimento racional pontuado
pelos pensamentos filosóficos de Aristóteles e Platão, que os sentidos e a
percepção não seriam parâmetros suficientes para a obtenção de segurança no
conhecimento, pontuando o método racional, por meio da razão, como único meio seguro para obtenção da verdade real
e segura, destes elementos há o surgimento do cogito[2].
Desta vertente, conforme pontua Vicente Ataíde de PAULA JÚNIOR em sua tese de
doutorado[3],
surge a universalização da validade e, igualmente, o aparecimento da razão
lógica pura, tendo como seu significante emblemático o conhecimento geométrico
e matemático.
Superada
a fase do paradigma do sujeito, o homem deixa de analisar quem ele é, bem como
o conhecimento que dele emana voluntariamente para analisar as coisas. Deste
novo movimento, começam surgir as novas diretrizes que viriam a cumular no
surgimento do paradigma pragmático.
Neste
contexto, com os primeiros estudos científicos acerca do mundo externo ao homem
começam surgir, dentre eles o precursor dos estudos naturais, a Teoria da
origem das espécies de Charles Darwin, o qual por meio de observação conjugada
por uma lógica racional, contudo não absoluta, sistematizar estudos de
evolução, maximizando, portanto o campo de conhecimento válido[4].
Assim,
conforme pontua Mariano Luis Rodríguez GONZÁLES, o foco racionalista lógico é
paulatinamente atenuado, dando lugar a experiência.
Com
efeito, tendo em vista que a experiência é elemento fundamental para o
conhecimento pragmático, a construção do conhecimento pragmático, bem como a
estruturação de um método pragmático passa a ganhar maior ênfase, culminando em
seu marco oficial de existência por meio das obras de Charles Sanders Pierce,
William James e John Dewey.
Como
uma das figuras mais emblemáticas do pragmatismo, Pierce inicia seus estudos,
não apenas se restringindo a uma verdade lógica, mas também a elementos
externos de influência para o conhecimento.
Assim,
o pragmatismo proposto por esta nova corrente de conhecimento surge como
método, tendo por escopo um meio de maior eficácia, por meio da valorização,
sobretudo, da experiência, sem, contudo, deixar de se pautar em uma lógica
racional.
Neste
norte, o caráter genérico do conhecimento deixa de ser universalizado, ao passo
de que o conhecimento verdadeiro não pode ser restrito a existência de leis
universais.
Destarte,
considerando que o direito, desde suas origens tem por respaldo a
universalização de procedimentos, situações e hipóteses, a fim de se criar uma
regra geral, cediçamente as contribuições do método pragmático podem ser em
muito benéficas.
Conforme
pontua Angela Araujo da Silveira ESPINDOLA, em sua tese de Doutorado, o
pragmatismo de forma alguma poderá suprir garantias constitucionais atinentes a
um Estado democrático de direito, caso contrário sua eficácia em termos
temporais (celeridade) seria superior a adequada prestação jurisdicional
(qualidade)[5].
Sob
este viés, o direito brasileiro, ainda que amparado do paradigma racionalista
para viabilizar a sua existência, necessita de evolução, tendo em vista que a
universalização do conhecimento, por meio de imposição de cumprimento de leis e
procedimentos ineficazes tão somente culmina em um prejuízo ao direito
processual civil, tumultuando os Tribunais pátrios com processos eternos e sem
soluções eficazes.
Assim,
desde que preenchidos os pressupostos de admissibilidade do método pragmático em
casos concretos, necessário é reconhecer sua preciosidade para o direito,
especialmente para o acesso a justiça e adequada prestação jurisdicional, isto
é, a entrega da tutela jurisdicional célere e de qualidade.
Tangenciando
tal questão é que surgem paradigmas de comparação que atualmente se demonstram
de grande valia e contribuição para o processo civil pátrio. Assim, conforme
descreve Heraldo Aparecido SILVA em seu artigo, por meio dos estudos de William
James, o método pragmático tem por escopo uma atitude orientada, isto é,
respaldada em dados concretos com credibilidade colhidos por meio da
experiência cotidiana[6].
Neste contexto são escassos os casos
de aplicação do método pragmáticos no ordenamento pátrio brasileiro, contudo
existem alguns casos emblemáticos, dentre eles o caso de dispensa da caução
para execução provisória quando o único recurso pendente for o agravo nos autos
previsto pelo artigo 544 do Código de Processo Civil.
Focando em tal caso concreto,
percebe-se que a regra contida no artigo 475-O, §2º, II, do Código de Processo
Civil[7], é
aplicação direta do método pragmático. Acerca de tal questão Vicente Ataíde de
PAULA JÚNIOR, bem comenta:
Por
que a opção do legislador em dispensar a caução pelo exequente, para
levantamento de dinheiro ou para prática de atos de expropriação em execução
provisória, se o executado ainda está buscando a reforma da sentença ou do
acórdão, o que poderá redundar em posterior modificação, anulação ou reforma do
título executivo? Em termos pragmáticos: por que o legislador apostou suas
fichas nessa solução processual, mais ligada à celeridade e à economia
processuais (liberação do dinheiro em execução provisória sem caução), ao invés
de outra, mais comum, em que prevaleceria a segurança jurídica (exigir caução na
execução provisória até o trânsito em julgado da sentença ou acórdão)? A
resposta encontra-se nas estatísticas judiciárias.[8]
Diante
de tal afirmação, percebe-se que o respaldo para a dispensa jurídica legal
incidente no caso em comento não decorre de simples menção legislativa, mas sim
de uma experimentação reiterada, a qual levou aos Magistrados perceberem a
remota mutabilidade das ações quando pendentes únicos disciplinados pelo agravo
nos autos pontuado pelo artigo 544 do Código de Processo Civil.
Veja-se
que não há qualquer espécie de vinculação com o paradigma racionalista vigente
no ordenamento processual pátrio, o qual busca a generalização procedimental.
Pelo contrário, o legislador, levado pela experiência prática, coletou
elementos suficientes para apreciar que a execução provisória não será
interferida quando unicamente pendente agravo nos autos, razão pela qual a
tutela jurisdicional, desde logo, poderá ser entregue sem a necessidade de
suspensão do processo até o trânsito em julgado do aludido recurso.
É
nesse contexto que o método pragmático se torna de absoluta importância ao
direito, pois em casos análogos, por inexistência legislativa, os Tribunais
pátrios estão abarrotados de processos suspensos que poderiam ter soluções
pragmáticas eficazes, com melhor apresentação de resultados, não só em termos
de celeridade, como também em termos de qualidade de jurisdição.
Assim,
imperiosa é a extensão analógica de casos concretos como o do objeto de estudo,
viabilizando não a generalização do método pragmático, mas sim a consagração de
uma tutela jurisdicional sob um viés distinto do paradigma racionalista,
sujeitando o processo civil a uma nova releitura constitucional, culminando na
maior proximidade ao ideal do efetivo Estado democrático de direito.
[1]KENNY, Anthony. As ciências teóricas de Aristóteles.
Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/aristocriencia.htm> Acesso em: 21
abr. 2014.
[2]DESCARTES, René. Discurso do método. 2ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1996.
[3]ATAÍDE JÚNIOR, Vicente
de Paula. Processo Civil Pragmático.
Curitiba, 2013. 278 f. Tese (Doutorado em Direito) – Setor de Ciências
Jurídicas, Universidade Federal do Paraná, p. 64-66.
[4]
Ibidem, p. 56-57.
[5]ESPINDOLA, Angela Araujo da Silveira. Superação do racionalismo no processo civil
enquanto condição de possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um
problema de estrutura ou função?. São Leopoldo, 2008. 305 f. Tese (Doutorado em
Direito) – Setor de Ciências Jurídicas, Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
p. 254-257.
[6]SILVA, Heraldo
Aparecido. Pragmatismo, narrativas conflitantes e pluralismo. Princípios, Natal, v.15, n. 24,
p.99-133, jul./dez. 2008, p. 105.
[7]Art. 475-O.[...].
§1º. [...]. §2º. A caução a que se refere o inciso III do caput deste
artigo poderá ser dispensada: I- [...]. II- nos casos de execução provisória em
que penda agravo junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de
Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar
risco de grave dano, de difícil ou inserta reparação.
[8]
PAULA JÚNIOR, Vicente Ataide de. Op.
cit, p. 152."